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Era canónico, qualquer peça jornalística tinha 5 W: Who, What, When, Where e Why.
Hoje, na conferência “Pensar o futuro – um Estado para a sociedade”, aparentemente uma organização para-governamental, caiu um W, o de Who.
De acordo com a organizadora, Sofia Galvão, a cobertura jornalística do evento seria restrita aos discursos de abertura e de encerramento. Todo o resto era suposto decorrer em "off-the record". “A permanência de jornalistas na sala pode manter-se, mas não haverá citações de nada que aqui seja dito sem expressa autorização dos citados”, disse Sofia Galvão.
Esta regra não é mais do que a internacionalmente usada "Chatham House Rule", com esta simples definição:
Tem na sua origem num think-tank britânico de assuntos internacionais e visa dar liberdade de discussão aos seus participantes, sem os ligar às suas funções profissionais e políticas, tornando asim o debate mais sincero e descomprometido.
A própria Chatham House tem no seu site um espaço dedicado aos jornalistas e às regras da cobertura mediática. Que depende até, em última instância, da vontade dos participantes em serem citados, e permite entrevistas "à margem" dos eventos, que é aliás a prática comum em qualquer conferência neste país.
Parece-me portanto uma prática aceitável.
Então porque é que gerou esta polémica junto dos meios de comunicação, que na generalidade se retiraram da conferência e que culminou, ao fim da tarde, com um comunicado violento do Sindicato de Jornalistas?
Com os dados de que tenho posse, concluo:
- Os jornalistas portugueses nunca ouviram falar da Chatham House Rule
- Alguém na organização (talvez a própria Sofia Galvão) a conhecia mas só se lembrou em cima do acontecimento
- A Conferência foi mal anunciada como uma "conversa aberta da sociedade civil"
Foi mais um mau momento de péssima gestão da comunicação, uma inadaptação e impreparação face aos acontecimentos, uma réplica saloia e atabalhoada de uma regra civilizada que, convenientemente explicada, poderia ter sido perfeitamente aceite e bem aproveitada tanto pela organização como pela comunicação social.
Mais uma oportunidade perdida de se poder discutir ideias em Portugal.
Parece que só hoje o ano começou. Já a meio de janeiro e ainda não tinha havido uma crise nas redes sociais. Qual Ricardo Costa que saliva por um congresso partidário, a minha adrenalina pavloviana finalmente disparou, no dia cheio de graça de 10 de janeiro.
A parte difícil é saber a quem atribuir a crise: à Samsung, à Chanel ou à tribo dos bloggers de moda?
Não tendo, estupidamente, resposta para a pergunta que coloquei, deixo aqui apenas algumas notas soltas, que gostaria pomposamente que me deixassem chamar "Food for Thought":
1. A Samsung teve uma excelente ideia, perfeitamente ajustada ao território comunicacional dos seus produtos: posicionar a marca e fazer product placement através de testemunhos de líderes de opinião, no caso bloggers, do universo da moda e do lifestyle, uma indústria tão respeitável como qualquer outra.
2. A ideia chocou com a realidade em duas dimensões: na forma do discurso desses líderes de opinião e no conteúdo que deles conseguiu extrair, em declarado contra-ciclo com o Zeitgeist miserável em que nos encontramos.
3. Por outro lado, a marca promotora da ideia foi abafada por uma segunda marca que, em condições normais, teria beneficiado duma comunicação "piggy-back". Ou seja, a Chanel, respeitadíssima e discreta marca, teria beneficiado, em condições normais (ou controladas) da associação com a acção da Samsung.
4. Na prática, o buzz está centrado nas palavras-chave "Pepa" e "Chanel". O que não deve agradar à Chanel (que já teve, bem recentemente, a sua crise com o anúncio do Brad Pitt). (Também não deveria agradar à marca Pepa, mas a sua reputação não foi construída ao longo de cem anos como a da senhora Coco).
5. Numa primeira leitura, quem me parecem ser os principais lesados neste caso são os "bloggers de moda". Num instante, a notoriedade que muitos tinham construído junto das marcas ruiu. Nenhum responsável de marketing arriscará tão cedo uma acção com este segmento dos novos media.
6. Moral da história: senhor(a) director(a) de marketing: pense duas, ou três, ou mesmo quatro vezes antes de dizer à sua agência "Eu quero um viral". A mente humana é tramada. Em crise, a mente humana é ainda mais tramada.
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